VÁCUO QUÂNTICO
AGOSTO 200332SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
PARTÍCULAS VIRTUAIS que povoam vácuo quântico podem materializar-se em torno de buracos negros graças à energia fornecida por esses corpos, num processo de evaporação
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POUCA COISA PARECE MAIS PERTURBADORA DO QUE O CONCEITO DE VAZIO. Os gregos mostraram-se tão avessos à idéia do nada que foram incapazes de conceber o zero. Em oposição à idéia de vácuo, inventaram um conceito complementar, o de éter ou quinta-essência, um elemento sutil que permearia irrestritamente todo o cosmos. Este conceito ganhou status científico na era moderna quando (entre outras coisas) foi considerado, pelo físico-matemático inglês Isaac Newton (1642-1727), o responsável último pela origem da força gravitacional. Dois séculos mais tarde, o físicomatemático escocês James Maxwell (1831-1879) conferiu ao éter outra característica: a de ser o meio onde as ondas eletromagnéticas se propagariam. Nunca a ciência havia se comprometido tanto por nada (ou melhor, por oposição a ele). Mas tudo mudou quando experimentos conduzidos no final do século 19 pelo físico germanoamericano Albert Michelson (1852-1931) e pelo químico norte-americano Edward Morley (1838-1923) falharam em detectar o éter. Com isso, seu reinado chegava ao fim e o século 20 precisou encarar o fato de que o nada existe.
O vácuo é comumente associado ao estado que emerge quando se exclui toda a matéria de uma dada região. Mas sendo o vácuo o estado de mínima energia, além de extrair as partículas de matéria, devemos remover também as partículas de radiação. Os fótons, por exemplo, que são pacotes de luz associados às ondas eletromagnéticas, podem ser eliminados, em princípio, baixando-se a temperatura até o zero absoluto (aproximadamente -273,15 0C). Mas o que restaria então depois de se extraírem todas as partículas de matéria e radiação de uma dada região, levando-a ao mais perfeito vácuo?
A resposta está na mecânica quântica, que veio substituir a mecânica clássica na análise de fenômenos microscópicos. Segundo essa teoria, o vácuo é povoado por uma legião de partículas, denominadas virtuais, que não podem ser removidas. Além disso, elas surgem e se aniquilam aos pares tão rapidamente que sua detecção direta é impossível. Isso porque, segundo a mecânica quântica, para que uma partícula seja observada, ela deve existir pelo menos por um certo intervalo de tempo mínimo (inversamente proporcional à sua energia), o que não é obedecido pelas fugazes partículas virtuais.
Por George Emanuel A. Matsas e Daniel A. Turolla Vanzella
A ciência moderna nos descortinou uma realidade que imita e supera a ficção. Nada é mais emblemático dessa extraordinária riqueza do que a complexidade observada no mais simples dos estados da natureza: o vácuo
VÁCUO QUÂNTICOO cheio de surpresas
AGOSTO 200334SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Resumo/ O Vazio Quântico
Surge então a questão: se as partículas virtuais não são diretamente observáveis, por que deveríamos nos preocupar com elas? A resposta é simples: porque seus “efeitos colaterais” podem ser observados. As partículas virtuais, apesar de não excitarem detectores de partículas, são capazes, entre outras coisas, de conferir ao vácuo uma energia não nula, também denominada energia de ponto zero, com conseqüências bem reais. O nada importa.
Talvez o exemplo mais paradigmático disso seja o assim chamado efeito Casimir. Observemos duas placas metálicas paralelas, eletricamente neutras e com massas desprezíveis. O que se verifica é que, ainda que classicamente não haja motivo algum para tal, elas, surpreendentemente, se atraem. Este efeito, previsto pelo físico holandês Hendrik Casimir (1909-2000) em 1948, foi recentemente confirmado em laboratório com mais de 95% de precisão. A origem do fenômeno está no fato de parte dos fótons virtuais ser suprimida pela presença das placas metálicas, levando a uma diminuição da energia do vácuo e, conseqüentemente, ao aparecimento de uma força atrativa, assim como regrado pelo princípio de minimização de energia. O vácuo não é vazio.
Mas seria possível “materializar” essas partículas virtuais? A resposta é sim, mas a um certo custo. Para trazermos à realidade as partículas virtuais é necessário que algum agente externo forneça a energia para este fim. Já sabemos que os fótons virtuais sentem a presença de placas metálicas. O que acontece, então, se uma de- las é acelerada (de maneira não uniforme) na direção perpendicular ao plano definido por sua superfície? A resposta (dada por Gerald Moore em 1970) é que a placa acaba funcionando como uma “raquete” sobre os fótons virtuais, levando alguns deles a se tornar reais.
Um exemplo mais dramático acontece em campos gravitacionais não estáticos. Segundo a Relatividade Geral, o campo gravitacional é um reflexo da curvatura do espaço-tempo. Todas as formas de matéria e energia sentem esta curvatura, incluindo as partículas virtuais. Quando o campo gravitacional varia, as partículas virtuais podem extrair energia do próprio espaço-tempo, fazendo com que algumas delas se materializem.
De fato, o efeito Hawking, descoberto em 1974 pelo físico inglês Stephen Hawking, se baseia exatamente nisso. Segundo Stephen Hawking, colapsos estelares que originam buracos negros geram um fluxo térmico de partículas elementares. Infelizmente, para buracos negros com massas pouco acima da do Sol, a temperatura é de apenas uns poucos bilionésimos de grau acima do zero absoluto, o que torna o fenômeno difícil de ser observado.
O Vácuo é Relativo O CONCEITO DE PARTÍCULA ELEMENTAR (virtual e real) foi originalmente introduzido com relação a observadores inerciais, isto é, livres de forças, que representam bem os observadores de laboratório. Supunha-se que se observadores inerciais não tivessem acesso às partículas virtuais, o mesmo seria válido para quaisquer outros observadores. Mas, para surpresa geral, trabalhos independentes dos físicos Stephen Fulling, Paul Davies e William Unruh, realizados entre 1973 e 1976, levaram à conclusão de que o conceito de partícula elementar depende do observador. Segundo o chamado efeito Fulling-Davies-Unruh (FDU), observadores acelerados uni-
Hendrik Casimir descobre em 1948 que placas metálicas paralelas se atraem devido à energia de ponto zero do vácuo quântico.
Gerald Moore percebe em 1970 que, em geral, placas metálicas aceleradas emitem radiação.
Stephen Hawking anuncia em 1974 que efeitos quânticos podem levar buracos negros a emitir partículas, evaporando como conseqüência.
Em 1976, William Unruh conclui que o vácuo de observadores inerciais se apresenta para observadores uniformemente acelerados como um banho térmico de partículas elementares.
Saul Perlmutter e Adam Riess divulgam, em 1998, indícios observacionais de que a expansão do Universo está se acelerando (talvez como conseqüência das propriedades do vácuo).
PARTÍCULAS VIRTUAIS do vácuo quântico aniquilam-se aos pares tão rapidamente que inviabilizam detecção direta
W.SCIAM.COM.BR SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 35 formemente, no que é definido como vácuo pelos inerciais, sentem-se imersos num banho térmico contendo todas as partículas elementares, com uma temperatura proporcional à sua aceleração. Enquanto observadores inerciais congelariam no vácuo, à temperatura de zero absoluto, observadores suficientemente acelerados queimariam no banho térmico a que estivessem sujeitos em seu próprio referencial. E mais, quando estes argumentos são transpostos para buracos negros, percebe-se que observadores em queda livre basicamente não são capazes de detectar as partículas da radiação Hawking, que banham os observadores estáticos fora do buraco.
O efeito FDU ilustra como observadores uniformemente acelerados podem ter acesso concreto a partículas que observadores inerciais dizem serem virtuais. Mas seria possível o inverso? Haveria a possibilidade de partículas reais, segundo observadores no laboratório, serem “transparentes” para observadores acelerados?
A resposta veio em 1992 quando os físicos Atsushi Higuchi, Daniel Sudarsky e um dos autores (G.M.) revisitavam um problema clássico do eletromagnetismo: a emissão de fótons a partir de cargas aceleradas.
É um fato bem estabelecido na teoria do eletromagnetismo que cargas aceleradas uniformemente emitem fótons reais assim como observados em laboratório. O que não era nada claro é se observadores “caronistas” com a carga seriam capazes de observar esses fótons. Se por um lado seria natural que o fossem, por outro os caronistas não tinham como explicar de onde uma carga – que para eles estava parada – poderia extrair a energia necessária para gerar os fótons. A solução estava escondida na mecânica quântica relativista, segundo a qual os fótons acusados pelos observadores no laboratório correspondem, para os caronistas, a um tipo especial de fóton com energia nula que, justamente por isso, não podem ser por eles observados. Os fótons que os observadores no laboratório dizem existir são como que “transparentes” para seus colegas acelerados.
Um dos ingredientes fundamentais para se chegar à conclusão acima é o já mencionado efeito FDU. Entretanto, o efeito FDU mostrou-se tão antiintuitivo que dúvidas vinham sendo levantadas a respeito de sua realidade. Uma evidência direta do efeito seria muito bem recebida, mas improvável de ser obtida, pois nenhum corpo macroscópico resistiria às acelerações necessárias para que tal efeito fosse apreciável. Assim, outra estratégia deveria ser usada. O caminho adotado pelos autores foi, então, mostrar que o efeito FDU era necessário para a própria consistência da natureza.
(a)próton
nêutron + pósitron + neutri-
Segundo a teoria padrão das partículas elementares, prótons livres são estáveis. Mas isso não vale para prótons acelerados. Para os observadores de laboratório, o primeiro canal de desintegração para um próton uniformemente acelerado seria no, onde o próton se transforma em nêutron, emitindo um pósitron e um neutrino. Acontece que a desintegração ou não de um próton deve ser vista como um fato universal. Assim, observadores caronistas com o próton devem obter a mesma taxa de desintegração calculada por seus colegas no laboratório (levando em conta o efeito da dilatação temporal). E de fato isso é possível, mas apenas se lançamos mão do efeito FDU. Sem ele chegaríamos à situação paradoxal na qual diferentes observadores discordariam sobre a desintegração de prótons acelerados. O efeito FDU é obrigatório.
Mas a despeito da perfeita concordância encontrada pelos dois times de observadores sobre a taxa de desintegração, suas
PLACAS METÁLICAS ACELERADAS podem ceder energia às partículas virtuais, trazendo-as à realidade
EFEITO CASIMIR: placas metálicas neutras e paralelas se atraem graças à energia de vácuo
AGOSTO 200336SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL versões para o fenômeno são surpreendentemente diferentes. Segundo os observadores caronistas, o próton não se transforma em nêutron pela reação (a) acima, mas pela absorção de elétrons e antineutrinos que o efeito FDU garante existirem no referencial do próton, enquanto a energia excedente é descartada em forma de neutrinos e pósitrons. Mais precisamente, para esses observadores, a conversão do próton em nêutron pode ser vista como uma das reações a seguir:
Os autores trabalham na interface da Relatividade Geral com a Mecânica Quântica e se interessam, em especial, por tudo o que diga respeito ao nada. Quando não estão em seus escritórios, é comum encontrá-los no café mais próximo praticando seu hobby predileto: discutir paradoxos conceituais de física básica. GEORGE MATSAS é pesquisador do Instituto de Física Teórica da Unesp em São Paulo e DANIEL VANZELLA é pós-doutorando na Universidade de Wisconsin em Milwaukee.
Te mpo
Espaço
Te mpo
Espaço
Te mpo
Espaço
Te mpo
OBSERVADORES COM ACELERAÇÃO uniforme no vácuo de observadores inerciais (livres de forças) acusam um banho térmico (com partículas elementares) a uma temperatura proporcional à aceleração
CARGAS ELÉTRICAS COM ACELERAÇÃO uniforme emitem radiação que, para observadores inerciais, é composta de fótons perfeitamente detectáveis. Para observadores co-acelerados, com carga, os fótons emitidos são de um tipo “especial” por terem energia nula. O fato de os fótons não terem energia impede que sejam detectados por observadores acelerados
OBSERVAÇÕES DE EDWIN P. HUBBLE, no final dos anos 20, indicaram a expansão do Universo. Dados recentes evidenciam aceleração dessa expansão, que pode estar relacionada ao vácuo expansão desacelerada (inicialmente esperada) expansão acelerada (observada)
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Apesar de estas serem possivelmente as evidências mais contundentes da possível importância do vácuo na evolução do Universo, cientistas já especulavam se ele também não seria o responsável por algumas outras características curiosas que intrigavam os cosmólogos havia muito. Um dos primeiros a levar esta possibilidade a sério foi o físico norte-americano Alan Guth, que propôs, no início da década de 80, o chamado modelo do Universo Inflacionário. Segundo Guth, logo após o Big Bang, o Universo teria passado por um período de expansão exponencialmente rápida por influência do vácuo. Como conseqüência, tudo o que conseguiríamos observar hoje seria proveniente de uma mesma região inicial extremamente pequena. Isso explicaria, por exemplo, o porquê de o Universo aparentar ser tão homogêneo e isotrópico, assim como evidenciado pela radiação cósmica de fundo, uma radiação eletromagnética na faixa de microondas que permeia todo o espaço com uma temperatura de cerca de -270,43 0C, descoberta em 1964 pelos engenheiros Arno Penzias e Robert Wilson dos Laboratórios Bell e que teria sido liberada quando o Universo tinha a tenra idade de aproximadamente 380 mil anos. E mais, o modelo inflacionário explicaria não apenas a notável homogeneidade da radiação cósmica de fundo mas também por que as tênues inomogeneidades seriam precisamente da ordem de uma parte em 100 mil, sem as quais as galáxias que observamos hoje não teriam se formado.
Ainda é cedo para sabermos o papel exato desempenhado pelo vácuo na história do Universo, mas uma coisa é certa: é pelo menos possível, se não provável, que o vácuo tenha sido o grande protagonista da organização atual e talvez do derradeiro destino do Universo.
(a) próton + elétron
nêutron + neutrino,
(b) próton + antineutrino
nêutron + pósitron,
(c) próton + elétron + antineutrino
nêutron.
Se o papel do vácuo no mundo microscópico já é espetacular, o que dizer de sua possível influência no Universo?
O Tudo e o Nada “NADA É CAPAZ DE DETERMINAR o destino de tudo.” Assim como está escrita, a frase pode soar trivial, mas substitua as palavras “nada” e “tudo” respectivamente por “vácuo” e “Universo” e teremos uma das mais profundas afirmações que podemos estar prestes a confirmar. Em 1929, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953) mudou para sempre nossa visão do cosmos ao observar que a luz proveniente de galáxias distantes indicava que o Universo estava em expansão. A partir de então, a crença geral era a de que tal expansão seria desacelerada pela força gravitacional.
Todas as observações têm confirmado que o Universo surgiu num estado de densidade e temperatura assombrosamente altas, denominado Big Bang, há cerca de 13 bilhões de anos, e que ele vem se expandindo desde então. Mas em 1998, dois grupos, independentemente, aperfeiçoando as observações de Hubble, chegaram a uma conclusão perturbadora: a expansão do Universo estaria se acelerando.
Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAr1kAC/vacuo-quantico
Pesquisa e Estudo: Gilberto Kin
https://www.facebook.com/groups/grupodeestudooamorestanoar/
SOMOS LUZ UNIDADE & PAZ PROFUNDA